Em um cenário econômico cada vez mais complexo e com a reforma tributária se avizinhando, o planejamento patrimonial tem se destacado na economia brasileira, especialmente no contexto de negócios familiares que desejam proteger seu patrimônio e garantir a tranquilidade das futuras gerações.
A organização adequada do patrimônio e planejamento antecipado da sucessão são cruciais para otimizar o processo de transferência de bens, atraindo inúmeras vantagens, como:
- Redução no Imposto. A transferência do patrimônio por meio de uma pessoa jurídica, como uma holding, se realizada de forma gradual e antecipada, oferece uma estratégica eficaz para minimizar o impacto do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (o “ITCMD”). Caso o planejamento seja realizado de forma adequada, a doação das quotas sociais pode ser tributada a uma alíquota menor do que a transferência direta de bens móveis ou imóveis, bem como poderá haver uma variação na base de cálculo.
- Gestão dos Ativos. A centralização dos ativos e o planejamento da sucessão facilita a administração do patrimônio familiar e promove a sucessão de forma organizada. Ao definir previamente as regras de distribuição de rendimento e os mecanismos de controle, os patriarcas podem evitar desgastes familiares e garantir que seus bens sejam transmitidos de acordo com seus desejos.
- Proteção Patrimonial. Ao segregar os ativos destinados aos herdeiros, a proteção patrimonial cria uma barreira contra eventuais problemas financeiros, como dívidas e processos judiciais, protegendo o patrimônio familiar e o legado.
Esses planejamentos deverão ser realizados com muita atenção e inteligência jurídica, visto que, em razão da ‘popularização’ do tema, alguns profissionais o realizam de forma inadequada, o que pode resultar em prejuízos significativos ao grupo familiar.
A falta de planejamento pode gerar prejuízos significados, como demonstrado em caso recente julgado pela 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que entendeu pela responsabilidade de uma holding familiar responder pelo pagamento de empréstimos contraídos antes do falecimento do patriarca, resultando em uma dívida de, aproximadamente, R$ 5,4 milhões.
Situações como essas evidenciam a necessidade de um planejamento sucessório e patrimonial altamente personalizado, capaz de prever e mitigar riscos. É crucial que esse planejamento seja elaborado com inteligência jurídica, considerando as particularidades de cada família e do patrimônio envolvido.
Ferramentas como a escolha estratégica do domicílio fiscal, constituição de holdings patrimoniais e antecipação de sucessão podem ser ferramentas para alcançar esses objetivos.
1. ESCOLHA ESTRATÉGICA DO DOMICÍLIO FISCAL
A escolha estratégica do domicílio fiscal pode influenciar diretamente a carga tributária sobre a transmissão de bens após a morte, desde que observada com atenção as diferenças entre “residência x domicílio” e, principalmente, “evasão x elisão” fiscal. Isso porque a legislação permite que uma pessoa física, possuindo mais de uma residência, eleja qualquer uma delas como seu domicílio fiscal, impactando diretamente as alíquotas do ITCMD.
Alagoas, por exemplo, possui a alíquota do ITCMD de apenas 2%, significativamente inferior aos 8% que podem ser cobrados em outros Estados, como Goiás. Essa discrepância apresenta uma oportunidade para planejar antecipadamente a sucessão de forma a minimizar os custos tributários, desde que sejam observados os requisitos previstos na lei referentes ao domicílio (razão pela qual tem gerado muitas autuações fiscais).
2. CONSTITUIÇÃO DE HOLDINGS PATRIMONIAIS
Outra ferramenta para otimizar a transmissão patrimonial é a constituição de holdings patrimoniais. Essa prática permite a conversão de bens imóveis em quotas ou ações de uma sociedade, alterando sua natureza de bem imóvel para bem móvel e, consequentemente, a incidência do ITCMD.
No entanto, é essencial considerar não apenas a transferência de ativos, mas também a liderança e a gestão. Cada aspecto deve ser tratado como um processo independente, por isso existe a necessidade de estabelecer as expectativas de forma clara aos envolvidos.
Em todos os cenários, é fundamental incluir a criação do Protocolo Familiar como parte do processo de sucessão para estabelecer as regras claras de gestão, propriedade, sucessão dos negócios e patrimônio familiar, sob a ótica de manter os princípios e valores dos patriarcas responsáveis pela construção do legado.
Esse documento define as regras a serem seguidas, assegurando que os valores e princípios da família sejam preservados ao longo das gerações. Nele, há a definição quanto aos procedimentos para a sucessão de cargos de liderança, com a manutenção da harmonia familiar nos mínimos detalhes e antecipação das regras para resolução de conflito – caso eles venham a existir em um momento futuro.
Ao envolver todos os membros da família na elaboração do Protocolo, promove-se o diálogo e a construção de um consenso sobre o futuro do negócio. O objetivo é que a visão da família permaneça alinhado ao longo das gerações.
3.ANTECIPAÇÃO DA SUCESSÃO
Um último exemplo contemporâneo de planejamento sucessório pode ser observado no contexto do fundador da Natura, o Sr. Luiz Seabra, que antecipou a sucessão ao transferir uma parcela significativa das ações que detinha na empresa para sua esposa e seus quatro filhos, enquanto ainda retém o usufruto vitalício dos poderes políticos e econômicos associados a essas ações.
Significa que, embora haja a transferência das quotas, não há alterações no controle ou na estrutura, resultando na permanência da visão original do fundador e a estabilidade da Companhia, permitindo uma transição suave da liderança, minimizando o risco de conflitos familiares e garantindo a estabilidade da Natura, uma das maiores fabricantes de cosméticos do Brasil.
Esse caso em específico ilustra a importância de ser cuidadoso no planejamento e na transferência, mantendo a governança e os desejos do patriarca da família. Ao estruturar a sucessão de forma adequada, é possível minimizar os impactos fiscais, garantir a segurança jurídica e preservar o patrimônio para as futuras gerações.
De todo o exposto, vê-se que o planejamento sucessório vai além da mera transmissão de bens. É uma estratégia que visa garantir a perenidade do negócio familiar, a preservação dos valores e a harmonia entre os membros da família. Ao adotar um planejamento eficiente, é possível otimizar a gestão do patrimônio, reduzir custos, minimizar riscos e garantir a tranquilidade das futuras gerações