Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao menos 90% das empresas brasileiras possuem algum viés familiar, todavia, apenas 30% dessas empresas conseguem perpetuar-se até sua 3ª geração, e, deste número, apenas 15% conseguem sobreviver a ela. Grande parte do insucesso dessas empresas ao passar dos anos relaciona-se diretamente à falta de planejamento de longo prazo, e, consequentemente, à falta de uma Governança Corporativa adequada às especificidades da empresa e do seu setor de atuação.
A Governança Corporativa nada mais é do que a adoção de um conjunto de práticas e procedimentos estruturados, utilizadas para alcançar uma gestão empresarial sólida, transparente, eficaz e igualitária, que possa conservar a perpetuidade da empresa ao passar das gerações – fomentando a economia e a geração de empregos.
Na perspectiva das empresas familiares, é muito comum a prática empresarial ser apenas um mecanismo para gerar emprego para todos os membros de uma família (tendo os patriarcas como sócios). Dessa forma, cada vez mais nos deparamos com casos em que os colaboradores de uma empresa – ora membros da mesma família – utilizam-se de sua posição dentro da sociedade para alcançar os seus interesses pessoais, das mais diversas formas – e, não raras às vezes, os próprios sócios utilizam-se da pessoa jurídica em prol de seus próprios interesses.
Outra problemática comum é a falta de protocolos a serem utilizados pelos componentes da organização, seja na gestão estratégica ou operacional. Além disso, conflitos societários entre familiares invariavelmente se estendem externamente aos demais membros da família que atuam como colaboradores, cujo conflito se projeta para fora da estrutura física da sociedade, o que consequentemente afeta diretamente o desempenho da empresa.
Dessarte, na perspectiva das empresas familiares presentes nos mercados de capitais, a Bolsa de Valores Brasileira (“B3”) criou o segmento do Novo Mercado: um conglomerado das melhores empresas da B3 segundo os critérios de transparência, faturamento e investidores. Sendo conhecido como o “mais alto nível da Governança Corporativa”, o Novo mercado outorga uma série de regras às empresas que querem adentrá-lo. Dessa forma, as companhias do Novo Mercado adquirem uma reputação ilibada e conquistam o interesse de investidores de varejo, recém ingressos no mercados de capitais, que possam auxiliar no financiamento da sociedade.
Dessa forma, tendo em vista a quantidade de empresas familiares em atividade no Brasil sem qualquer planejamento de Governança Corporativa, convém destacarmos as Boas Práticas utilizadas pelo mercado para àquelas que querem se adequar e alinhar uma administração familiar de alto nível, ou, até mesmo, se preparar para atrair o interesse de investidores e participar de um futuro evento de liquidez.
Transparência
A transparência consiste no princípio chave para a implementação de boas práticas de Governança Corporativa; esta consiste na total divulgação (“Full Disclosure”) do desempenho de sua operação aos seus sócios, colaboradores, entidades governamentais, e, se for o caso, investidores.
Em relação à divulgação aos sócios, convém destacarmos a importância da realização das reuniões de sócios, que muitas das vezes são negligenciadas por estes, para expor a situação atual da sociedade e definir suas estratégias.
Quanto aos colaboradores, reuniões semanais e/ou quinzenais são cruciais para o alinhamento da perspectiva do time com a empresa. Além disso, comumente nos deparamos com empresas que se utilizam de grandes televisores espalhados pelo espaço físico, que expõem os indicativos de desempenho da empresa naquele período.
Por fim, quanto às entidades governamentais, manter-se com os devidos registros nas Juntas Comerciais a respeito de alterações contratuais/estatutárias, manter-se em dia com a atualização de dados perante o fisco, e, principalmente – esse é bastante negligenciado por grande parte dos empresários –, documentar e registrar as Atas deliberativas da sociedade para dar transparência e credibilidade perante a terceiros.
Equidade
A equidade, ou em inglês, Fairness, refere-se ao princípio do tratamento igualitário aos sócios da empresa, onde estes exerçam os direitos e obrigações que suas participações os conferem, andando de mãos dadas com o Princípio da Transparência descrito no item anterior. Dessarte, vale destacar que esse princípio não se confunde com a restrição de vantagens conferidas a determinados sócios, como os minoritários, por exemplo, que detenham ações/quotas preferenciais que outorgam vantagens no recebimento de dividendos ou, até mesmo, àqueles sócios que detenham percentuais relevantes – controladores ou não – que possam influir nos rumos dos negócios sociais.
Prestação de Contas
O princípio da Prestação de Contas, ou em inglês, Accountability, é autoexplicativo e funciona em conjunto com o Princípio da Transparência. Refere-se a responsabilidade da administração da empresa em prestar contas aos sócios e demais terceiros que possuam interesse na sociedade.
Possuir uma gestão empresarial alinhada e que exerça a fundo o Princípio da Prestação de Contas é crucial para gerar interesse de potenciais investidores, caso a geração familiar atual possua interesse em um futuro evento de liquidez, aumentar o vínculo com os atuais sócios para que estes possuam o interesse em aportar mais recursos no empreendimento, e, não menos importante, aumentar o nível de confiança com os credores, onde estes terão mais tranquilidade em celebrar novos negócios jurídicos com a sociedade, garantindo financiamentos para a expansão da empresa.
Princípio da Responsabilidade Corporativa
O último – e talvez o mais importante princípio – se refere à Responsabilidade Corporativa, ou, como comumente ouvimos falar, Compliance. Este princípio representa o autocuidado que os membros da administração devem ter na perspectiva da função social que a empresa possui – pensando na sua perenidade no longo prazo, na geração de empregos e na responsabilidade social da empresa, como em programas de ESG[1], por exemplo.
O Princípio da Responsabilidade Corporativa não se remete somente a fatores externos, como mencionamos no parágrafo anterior, mas, indiscutivelmente, a questões internas, como a busca incessante em evitar irregularidades no núcleo da empresa e, principalmente, valorizar seu capital humano.
Posto isso, é inegável importância da adoção de boas práticas de Governança Corporativa não apenas para aquelas empresas que querem prosperar ao longo dos anos, mas também atrair o interesse de investidores; além disso, promove a confiança e bom relacionamento dos sócios, colaboradores e demais partes interessadas na organização econômica.
Dessa forma, as empresas que adotam as boas práticas de Governança não garantem só a perenidade do negócio, mas a consolidação de sua posição no mercado e fomentam o crescimento da economia de forma sustentável.