Inegavelmente a reorganização societária é um conjunto instrumental fundamental para empresas familiares que buscam solucionar conflitos entre herdeiros, proteger o patrimônio e assegurar a continuidade dos negócios ao longo das gerações. O recente caso da família Safra – uma das dinastias mais icônicas do setor bancário global – é um exemplo didático de como essas operações podem trazer benefícios estratégicos para um grupo familiar – independentemente de sua dimensão.
O Caso Safra: Reorganização Societária para Consolidar o Controle e Mitigar Conflitos
Após a morte de Joseph Safra em 2020, um dos grandes desafios enfrentados pela família foi a distribuição e administração do vasto patrimônio construído pelo banqueiro. Divergências entre os herdeiros culminaram em uma disputa que colocou em risco a harmonia familiar e a eficácia operacional do conglomerado. Para resolver essa situação, dois passos cruciais foram adotados:
- Compra de participações societárias: No ano de 2024, os irmãos David Joseph e Jacob Joseph Safra adquiriram as participações de seus irmãos Esther e Alberto na J. Safra Holding S.A., consolidando o controle sobre negócios da família.
- Divisão clara de interesses: A transação permitiu que os irmãos Esther e Alberto se afastassem da gestão direta dos negócios, reduzindo as chances de conflitos futuros e promovendo maior agilidade decisória para os administradores remanescentes.
Essa reorganização não apenas encerrou disputas internas, mas também preservou a estabilidade do Grupo Safra, reforçando a confiança de clientes e investidores.
Benefícios da Reorganização Societária em Empresas Familiares
Resolução de Conflitos
Conflitos entre herdeiros são uma das principais ameaças à continuidade de empresas familiares. De acordo com o IBGE, 30% das empresas sobrevivem à segunda geração – e, pasmem, apenas 5% chegam à terceira geração. Dentre os diversos motivos que desencadeiam estes números tímidos, os conflitos societários entre os sucessores seguem liderando com folga. No caso Safra, a reorganização funcionou como um mecanismo de pacificação, criando uma estrutura clara para o controle dos negócios.
Outros exemplos incluem o caso da Hermès, marca francesa de luxo, onde uma holding familiar foi criada para proteger a empresa de conflitos internos e evitar uma aquisição hostil por grupos externos, como o LVMH, por exemplo – holding controladora da grife francesa Louis Vuitton. Essa estrutura também garantiu que as decisões estratégicas permanecessem alinhadas aos valores da família fundadora.
Proteção Patrimonial
Uma reorganização bem planejada também oferece proteção contra riscos financeiros e jurídicos. Ao consolidar o controle em menos mãos, a família Safra minimizou o risco de litígios prolongados que poderiam fragmentar o patrimônio. Ademais, a estrutura empresarial subsidiada por uma holding familiar – e um protocolo familiar/acordo de sócios bem amarrado – podem limitar a exposição do patrimônio da família a terceiros, bem como a tomada de decisões precipitadas que ocasionam prejuízos ao negócio.
No Brasil, um exemplo clássico é o Grupo Votorantim. Com a criação de uma holding que concentra os principais ativos da família Ermírio de Moraes, o grupo garantiu não apenas a proteção patrimonial, mas, também, uma gestão profissionalizada em decorrência da implementação de uma governança corporativa que evita interferências de outros membros na operação, bem como afasta em larga escala a possibilidade de dissabores oriundos de demandas judiciais em desfavor das pessoas físicas da família que atuem diretamente – ou indiretamente – nos negócios.
Longevidade e Sustentabilidade dos Negócios
A perpetuação de um negócio familiar exige planejamento de longo prazo. A reorganização societária é uma operação personalizada feita à mão com o viés de atender as necessidades e anseios de cada grupo familiar, criando regras claras para sucessões futuras e atraindo, até mesmo, investidores, na hipótese dos sócios cogitarem um futuro evento de liquidez. No caso Safra, a decisão de consolidar o controle em dois herdeiros simplificou a governança e aumentou a previsibilidade das decisões empresariais.
O exemplo recente da Família Safra nos convida a enxergar a reorganização societária não somente como uma opção, mas, sim, como uma necessidade essencial para os grupos familiares. Essas operações vão muito além da resolução de conflitos imediatos: são o alicerce para a perpetuação do legado e a construção de um futuro sólido. A experiência dos Safra evidencia que, mesmo em contextos extremamente complexos, é possível alcançar “soluções simples” que preservem a harmonia familiar, e, o mais importante, a perpetuidade dos negócios da família.