É sabido que as marcas são um importante ativo para as empresas, razão pela qual os litígios envolvendo sinais distintivos têm se tornado cada vez mais frequentes. A disputa pelo direito de uso exclusivo de determinadas expressões, especialmente aquelas de forte apelo comercial ou caráter evocativo, tem desafiado os tribunais a encontrar o equilíbrio entre a proteção ao titular da marca e a preservação da livre concorrência. Nesse contexto, destaca-se recente decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), que reafirmou importantes premissas do direito marcário ao negar exclusividade sobre vocábulo de uso comum inserido em marca mista, reconhecendo a inexistência de risco de confusão entre os sinais e a possibilidade de convivência harmônica entre eles no mercado.
Exclusividade negada: termo “Feijú” é considerado descritivo e de uso comum
No caso em comento, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás confirmou a sentença proferida pelo juízo de origem, reconhecendo a ausência de direito exclusivo da autora sobre o vocábulo “Feijú”. Isso porque o termo integra uma marca mista — composta por elementos nominativos e figurativos — cuja proteção recai sobre o conjunto gráfico, e não sobre expressões isoladas de uso comum. Ademais, restou consignado que o termo “Feijú” possui evidente caráter descritivo, derivando da palavra “feijoada”, prato tradicional da culinária brasileira. Assim, conforme a legislação aplicável e a jurisprudência pacificada, não é possível garantir exclusividade para expressões de uso comum na língua portuguesa, especialmente quando relacionadas a produtos ou serviços que evocam diretamente sua natureza, como é o caso da utilização do vocábulo “Feijú” em eventos gastronômicos voltados à feijoada. O Tribunal ressaltou, com apoio nos artigos 124, VI e XVIII da Lei nº 9.279/96, que a exclusividade marcária não pode recair sobre sinais genéricos, evocativos ou meramente descritivos, sob pena de se inviabilizar a concorrência leal no setor.
O Tribunal também destacou que marcas dotadas de baixo poder distintivo — formadas por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos — podem ter que suportar a coexistência com outros sinais semelhantes no mercado, desde que não haja risco de confusão ao consumidor. O próprio Superior Tribunal de Justiça já consolidou esse entendimento ao afirmar que “nos termos da jurisprudência desta Corte, marcas dotadas de baixo poder distintivo, formadas por elementos de uso comum, evocativos, descritivos ou sugestivos, podem ter de suportar o ônus de coexistir com outras semelhantes” (REsp 1.819.060/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 26/2/2020). Tal entendimento reforça a necessidade de compatibilizar a tutela da propriedade intelectual com os princípios da livre iniciativa e da lealdade concorrencial, especialmente em mercados segmentados e altamente simbólicos, como no segmento de entretenimento.
A função social da marca e os limites da exclusividade: uma decisão que reforça o equilíbrio
A decisão do TJGO evidencia o amadurecimento da jurisprudência nacional na delimitação do alcance do direito marcário, sobretudo no que se refere à proteção de sinais dotados de baixo poder distintivo. Ao reafirmar a inaplicabilidade da exclusividade sobre expressões genéricas, descritivas ou evocativas, a corte não apenas seguiu a orientação consolidada do Superior Tribunal de Justiça, como também reforçou a importância de um juízo técnico e equilibrado, que leve em consideração os princípios da livre concorrência e a função social da marca.
Ao reconhecer a possibilidade de coexistência entre marcas semelhantes — especialmente diante da distinção entre os demais elementos e da ausência de risco de confusão — o Judiciário reafirma que o direito marcário não deve ser instrumentalizado como mecanismo de bloqueio concorrencial. A proteção conferida à marca não pode servir como escudo para pretensões fundadas em signos de baixa distintividade. Em um ambiente cada vez mais competitivo e simbólico, como o dos eventos gastronômicos e do entretenimento, é essencial que o Poder Judiciário continue a exercer seu papel como guardião do equilíbrio entre os interesses legítimos dos titulares de marcas e os valores estruturantes da livre iniciativa, da concorrência leal e da diversidade de expressão no mercado.