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27 junho 2025

Titularidade da Propriedade Intelectual Após o Fim da Relação de Trabalho

STG Law

No ambiente das relações de trabalho, a produção de criações intelectuais por empregados é uma realidade cada vez mais presente, especialmente em setores voltados à inovação, tecnologia e conteúdo. 

Contudo, o rompimento do vínculo empregatício levanta uma questão sensível: quem é o verdadeiro titular das produções intelectuais realizadas durante o Contrato de Trabalho?  

Embora exista respaldo legal, é nos instrumentos contratuais — em especial, mas não exclusivamente, no Contrato de Trabalho — que se concentram os principais mecanismos de definição e garantia da titularidade com segurança jurídica. 

A Relevância da Qualificação Jurídica da Criação 

A legislação brasileira, notadamente a Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), estabelece três categorias distintas de invenções no âmbito das relações de trabalho: 

  • Invenções de Serviço: São aquelas produzidas no curso das atividades do empregado, quando o objeto do Contrato de Trabalho envolve a criação intelectual. Nessa hipótese, a titularidade pertence integralmente ao empregador. 
  • Invenções Livres: São criações realizadas sem qualquer relação com o trabalho desenvolvido e sem a utilização de meios ou recursos do empregador. Nesses casos, a titularidade é exclusivamente do empregado. 
  • Invenções Mistas: Quando a criação decorre da contribuição do empregado com o apoio material ou técnico do empregador, há uma coparticipação presumida na titularidade — salvo estipulação contratual diversa. 

É nesse último tipo que a ausência de cláusulas claras pode gerar litígios, uma vez que a presunção de titularidade compartilhada nem sempre condiz com a real intenção das partes. 

O Contrato como Instrumento de Delimitação e Prevenção 

A legislação confere ao Contrato de Trabalho e a outros instrumentos específicos, o papel essencial de regulamentar as relações de propriedade intelectual. 

Nesse sentido, válido destacar que cláusulas bem redigidas podem: 

  • Estabelecer a cessão expressa dos direitos patrimoniais ao empregador; 
  • Disciplinar obrigações de confidencialidade e não concorrência, inclusive após o desligamento; 
  • Definir a abrangência da criação intelectual (se está ou não vinculada ao escopo contratual); 
  • Regular a participação do empregado em eventual exploração econômica da criação. 

A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998), embora permita a cessão dos direitos patrimoniais, preserva os direitos morais do autor, que são inalienáveis e intransferíveis. Isso significa que, mesmo cedendo os direitos de uso e exploração econômica, o empregado mantém o reconhecimento de autoria da obra. 

Criações Pós-Rompimento: o Limbo da Titularidade 

A delimitação da titularidade sobre bens imateriais desenvolvidos durante a vigência do contrato de trabalho é uma das questões mais complexas e sensíveis no campo da propriedade intelectual aplicada às relações laborais. 

Quando o vínculo empregatício chega ao fim, esse debate ganha ainda mais densidade:
quem detém, de fato, os direitos sobre criações intelectuais concebidas nesse período? Estariam os direitos autorais e inventivos automaticamente resguardados ao ex-empregado? Ou poderia a empresa reivindicar a integralidade da titularidade, mesmo após o encerramento da relação? 

O que diz a Lei da Propriedade Industrial 

No que se refere às invenções industriais, A Lei nº 9.279/96 (LPI) dispõe, no artigo 88, que a titularidade da invenção será atribuída ao empregador quando a atividade criativa resultar diretamente das funções contratadas ou decorrer de tarefa específica atribuída ao empregado. 

Por outro lado, caso a invenção tenha sido desenvolvida fora do Contrato de Trabalho e sem utilização de meios, dados, recursos ou instalações da empresa, a titularidade será exclusiva do empregado, ainda que sua elaboração tenha coincidido temporalmente com a vigência do vínculo contratual. 

A mesma legislação dispõe, ainda, que, salvo prova em contrário, presumem-se realizadas durante o contrato de trabalho as invenções ou modelos de utilidade cuja patente tenha sido requerida até um ano após a extinção do vínculo empregatício.  

A exploração da patente e o risco de reversão de titularidade 

Outro ponto importante está previsto no §3º do artigo 91 da mesma legislação. Ele determina que, caso não haja acordo entre as partes, o empregador tem o prazo de um ano, a contar da concessão da patente, para iniciar sua exploração. A inércia injustificada poderá acarretar a reversão da titularidade ao empregado, exceto se houver justa causa para a não utilização da invenção. 

O problema, todavia, adquire contornos mais complexos no período subsequente ao rompimento do vínculo empregatício. A ausência de cláusulas contratuais claras e específicas quanto à titularidade das criações futuras gera um verdadeiro limbo jurídico, sobretudo em situações nas quais o projeto foi concebido ou iniciado durante o Contrato, mas finalizado apenas após sua extinção. 

Influência indireta e continuidade intelectual após o vínculo 

Há, ainda, situações em que o conhecimento técnico, os recursos intelectuais e as metodologias desenvolvidas durante o contrato continuam a influenciar o processo criativo mesmo após o encerramento da relação. Nessas hipóteses, o ex-empregado pode realizar uma obra que, embora formalmente desvinculada da empresa, traz marcas evidentes de seu período de colaboração, ampliando os contornos de indeterminação jurídica. 

Ausência de regramento específico: um desafio à doutrina e à jurisprudência 

A falta de normatização clara para os chamados casos pós-contratuais cria uma verdadeira zona cinzenta jurídica, onde o conflito de interesses entre empregado e empregador se torna inevitável. A jurisprudência brasileira ainda carece de uniformidade nesse campo, exigindo uma abordagem casuística e interpretativa que leve em conta a natureza do trabalho, os recursos envolvidos e a dinâmica da criação. 

O equilíbrio entre a necessária proteção dos direitos autorais e inventivos do criador (empregado) e os legítimos interesses econômicos e estratégicos do empregador dependerá, cada vez mais, de uma pactuação contratual clara, preventiva e bem estruturada, além de uma interpretação jurídica sensível às especificidades fáticas de cada situação concreta. 

A Titularidade como Reflexo de Boas Práticas Contratuais 

A titularidade de criações intelectuais no ambiente laboral não pode ser tratada de forma intuitiva ou genérica. Em um contexto em que criatividade, inovação e know-how se consolidam como ativos estratégicos, o contrato — e demais instrumentos jurídicos pertinentes — deve ser compreendido como ferramenta central de governança da propriedade intelectual nas relações de trabalho. 

Cláusulas claras sobre cessão de direitos, confidencialidade, não concorrência e efeitos pós-contratuais são essenciais para mitigar disputas e garantir segurança jurídica. Empregadores atentos devem prever esses aspectos desde a admissão, enquanto os profissionais criadores precisam compreender o alcance de tais disposições para assegurar o reconhecimento e a proteção de sua autoria. 

Vale destacar que a discussão sobre titularidade não se limita aos vínculos formais regidos pela CLT. Ela também se estende, com as devidas adaptações, a outras formas de prestação de serviços, como os contratos com autônomos, estagiários ou empresas contratadas em regime de pejotização, em especial quando envolvem produção intelectual relevante. 

Ao fim, assegurar a titularidade correta passa por entender que o valor das ideias não está apenas na criação, mas também na forma como são juridicamente estruturadas, reconhecidas e protegidas. O contrato bem elaborado, nesse cenário, representa mais do que um instrumento formal: é um pacto de previsibilidade entre a inovação e a segurança jurídica. 

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