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05 dezembro 2024

Tributação na Locação de Bens Móveis: Um Olhar sobre o ISS e a Jurisprudência Atual

Lorena Lima

Com o alto número de autuações fiscais municipais envolvendo a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) em operações que envolvem locação de bens móveis, empresas e profissionais têm enfrentado desafios para compreender os limites entre locação pura e prestação de serviços. A dificuldade em estabelecer essa distinção, frequentemente marcada por interpretações conflitantes das legislações e contratos, pode resultar em cobranças fiscais e litígios prolongados. 

A súmula vinculante n.º 31 do Supremo Tribunal Federal é serena e explicita em sua redação ao prever a inconstitucionalidade quanto a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre a locação de bens móveis 

Quanto ao texto da súmula mencionada, não há controvérsias em relação a sua interpretação, tão pouco imprecisão quanto ao seu enunciado. Então, por que ainda assim existem dúvidas em relação à aplicação deste entendimento? Nesse cenário, torna-se indispensável a análise de pontos específicos a respeito da relação entre o ISS e a locação de bens móveis, para fins de mitigar problemas fiscais para com as Fazendas Públicas municipais.  

Como dito, apesar do texto jurisprudencial ser de fácil compreensão, o universo complexo dos contratos revisita as dificuldades de sua aplicação quanto aos negócios jurídicos. Um exemplo claro são as relações que envolvem a locação de bens móveis em conjunto com o fornecimento de mão de obra relativa ao bem ofertado.  

Nessas situações, não raras vezes, o fisco municipal entende pela caracterização da prestação de serviço, passível de incidência do ISS, todavia, utilizando como Base de Cálculo para a cobrança do imposto todo o valor do contrato, desconsiderando a locação do bem móvel. 

Pois bem, quanto a isso, sabe-se que o artigo 156, III, da Constituição Federal, outorga aos Municípios a competência para instituir o imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no artigo 155, II, definidos em lei complementar”. Nota-se, portanto, que o ISS exige a intermediação de lei complementar para definir quais serviços podem ser tributados. 

Em decorrência disso, a Lei Complementar (LC) nº 116/03 cuidou de dispor a lista de serviços tributáveis pelo ISS, arrolados em quarenta itens, cada qual com seus subitens, de maneira que só podem ser tributados os serviços nela constantes. Essa condição possui fundamento no princípio constitucional da legalidade tributária (Art. 150, I, da Constituição Federal). 

Além disso, cabe ressaltar que o ISS efetivamente incide sobre serviços, que podem se caracterizar no trabalho ou atividade economicamente mensurável. Ou seja, verifica-se o serviço em uma “obrigação de fazer”, não em uma “obrigação de dar”.  

Assim, entende-se que sobre a pura locação de bens móveis (veículos, maquinários, aeronaves, por exemplo) não há que se falar em incidência de ISS, pois, além de não constar na lista de serviços anexa à LC nº 116/03, tal locação se mostra como uma “obrigação de dar” o bem móvel locado em condições de uso, não caracterizando, assim, uma “obrigação de fazer”. 

Porém, conforme já mencionado acima, deve se tomar cuidado com a situação em que o bem móvel é cedido conjuntamente com o fornecimento de mão de obra (operador ou piloto, por exemplo), pois, nessa situação, as Secretarias de Fazendas Municipais têm entendido pela incidência do ISS, sendo que tal incidência pode ser validada judicialmente em razão da jurisprudência já sedimentada pela Suprema Corte, senão veja-se: 

EMENTA: AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS SOBRE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. TEMA 212 E SÚMULA VINCULANTE 31. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. FATOS E PROVAS. SÚMULA 279/STF.

Quanto à possibilidade de instituição de ISS sobre locação de bens móveis, o Plenário desta SUPREMA CORTE, no julgamento do RE 626.706-RT (Tema 212, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 24/9/2010), fixou a seguinte tese: É inconstitucional a incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza ISS sobre operações de locação de bens móveis, dissociada da prestação de serviço.

Esse entendimento, inclusive, ficou consolidado no enunciado de Súmula Vinculante nº 31.

No caso concreto, o Tribunal de origem, com base nos fatos e provas constantes dos autos, concluiu que a locação não está dissociada da prestação de serviços – muito pelo contrário, entendeu que estão interligadas, por isso há incidência do ISSQN.

Incide, assim, o óbice do Enunciado 279/STF.

Agravo interno a que se nega provimento. Na forma do art. 1.021, §§ 4º e 5º, do Código de Processo Civil de 2015, em caso de votação unânime, fica condenado o agravante a pagar ao agravado multa de um por cento do valor atualizado da causa, cujo depósito prévio passa a ser condição para a interposição de qualquer outro recurso (à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final).

(STF – ARE: 1380035 RJ, Relator: ALEXANDRE DE MORAES, Data de Julgamento: 18/10/2022, Primeira Turma, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-212 DIVULG 20-10-2022 PUBLIC 21-10-2022) (grifo nosso) 

 

EMENTA DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA. INCIDÊNCIA EM CONTRATOS MISTOS. LOCAÇÃO DE MAQUINÁRIO COM OPERADORES. RECLAMAÇÃO. ALEGAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DA SÚMULA VINCULANTE 31. DESCABIMENTO. 

A Súmula Vinculante 31, que assenta a inconstitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS nas operações de locação de bens móveis, somente pode ser aplicada em relações contratuais complexas se a locação de bens móveis estiver claramente segmentada da prestação de serviços, seja no que diz com o seu objeto, seja no que concerne ao valor específico da contrapartida financeira. Hipótese em que contratada a locação de maquinário e equipamentos conjuntamente com a disponibilização de mão de obra especializada para operá-los, sem haver, contudo, previsão de remuneração específica da mão de obra disponibilizada à contratante. Baralhadas as atividades de locação de bens e de prestação de serviços, não há como acolher a presente reclamação constitucional. Agravo regimental conhecido e não provido. 

(STF – Rcl: 14290 DF, Relator: Min. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 22/05/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-118 DIVULG 18-06-2014 PUBLIC 20-06-2014) (grifo nosso) 

 

Nota-se que o que os supracitados precedentes sugerem é a separação formal dos contratos (locação e cessão de mão de obra) – ou, ao menos, a distinção de seus objetos – e os seus respectivos valores, pois, para fins de recolhimento do ISS, será possível realizar a segregação da base de cálculo, de forma que o imposto não incida sobre o valor da locação. Inclusive, também nesse sentido, é o entendimento exposto no julgamento do AgR ARE: 1249080 RN (STF), abaixo colacionado. 

DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ISS. CONTRATOS MISTOS. LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. CLARA DISSOCIAÇÃO EM RELAÇÃO A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. NÃO INCIDÊNCIA 

[…] 

(STF – AgR ARE: 1249080 RN – RIO GRANDE DO NORTE 0800445-04.2010.8.20.0001, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 27/04/2020, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-119 14-05-2020) 

 

Portanto, a locação de bens móveis somente pode estar associada à mão de obra, sem perder sua autonomia contratual, se os objetos contratuais combinados forem claramente diferenciados nos instrumentos e se houver previsão expressa de contrapartida financeira apartada, cabendo a incidência do ISS somente sobre a prestação de serviços. 

Por fim, cabe ressaltar que a contratação de uma assessoria contratual e tributária especializada é essencial para a mitigação de embaraços, riscos e prejuízos fiscais. A análise detalhada dos pormenores que envolvem os contratos, operações comerciais e obrigações tributárias pode ser a chave para o sucesso de uma atividade. 

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